JUL 2018
Artigo desenvolvido durante a disciplina "Tendências em Comunicação Visual" do curso de Design da PUC-Rio. Escrito sob orientação de Bianca Martins e editado meses depois.
Já reparou como temos dificuldades em lidar com informações muito novas ou bruscamente diferentes? Dificuldade de entender ou enxergar beleza em um determinado estilo de roupa ou novos artistas em ascensão? Não é engraçado pensar que por vezes essas coisas feias falam, justamente, sobre a passagem do tempo? Já dizia Umberto Eco em “A História da Feiura” que…
"O conceito de feiura, 
como aliás o de beleza, 
é relativo não somente às 
diversas culturas, mas 
também ao tempo".
Umberto Eco
Quando falamos de "adequado", “socialmente aceito" e "bom gosto" estamos falando sobre a sensibilidade estética dominante da época. Essa estética pode ser induzida através de forças da indústria de consumo, mas antes por artistas, criativos e pessoas influentes vigentes, considerados pela grande massa como "especialistas" em beleza do seu tempo (entendendo aqui beleza como um conceito bem mais amplo). Isso explica porque algumas obras consideradas belas atualmente foram reprovadas em alguma época. Pois não supriam a sensibilidade estética dominante.

A influência do modernismo
Comparado às artes plásticas, o design é um campo relativamente novo, de modo que se buscarmos quais foram suas estéticas dominantes desde seu surgimento com a revolução industrial, certamente encontraremos o Modernismo, como uma das principais vertentes que influenciará o bom gosto ou o bom design. Desde a fundação da Bauhaus até o que foi chamado de Estilo Internacional no pós-guerra, os princípios do design modernista foram sendo consolidados através de suas máximas — como “a forma segue a função” — e seus “ismos” — funcionalismo, minimalismo, racionalismo etc. Tamanha é a influência desse estilo que é possível encontrar citações como a de Massimo Vignelli — um dos principais designers e pensadores do movimento — a respeito do papel do designer no mundo:
"A vida do designer é uma vida de luta contra a feiura. Como um médico luta contra uma doença. Para nós, há uma doença visual em nosso entorno, e o que tentamos fazer é curar esta doença com Design"
Massimo Vignelli
A necessidade de romper padrões e o advento tecnológico
Passado o tempo, o ofício do design foi ganhando novas possibilidades através do advento tecnológico para produção gráfica. Isso permitiu de designers experimentassem métodos e efeitos e criassem linguagens e composições nunca antes atingidas — ou não de maneira tão prática (é possível descobrir mais sobre o advento tecnológico no design no documentário “Graphic Means” ). Com tanta margem à experimentação, houve um movimento de quebra dos padrões estéticos no final da década de 1980, e em 1993, o designer e teórico Steven Healer publica seu artigo "O Culto ao Feio", dando voz aos pensadores e designers mais conservadores incomodados com o surgimento de novas estéticas. Em seu artigo, ele diz:
"A palavra experimento veio justificar uma multidão de pecados"
Steven Heller
O incômodo de Heler em relação quebra de padrões é tamanho que ganha até uma conotação religiosa em seu argumento. E apesar de seu artigo ter gerado uma grande discussão na época, ambas as linhas estéticas seguiram suprindo necessidades diferentes e se ramificando e ganhando nomenclaturas no mercado de design.
Porém, o que há de mais interessante aqui, é a necessidade — por quaisquer que sejam as motivações —de rompimento de uma estética estabelecida. Quando se amplia a perspectiva dessa dessa questão, é possível traçar paralelos em diferentes épocas, o que me leva a questionar se não estaríamos presenciando um novo rompimento de padrões estéticos de 2010 para cá.

O movimento cíclico na alternância do belo no design
Desde o início da década, vimos grandes marcas e inúmeros trabalhos de design gráfico abusarem do conceito do minimalismo, abandonando a grande quantidade de elementos, cores, serifas — e talvez até a personalidade, em alguns casos.


Recentes mudanças em marcas de tecnologia e moda

No mesmo período, surgem peças que questionam às máximas do minimalismo e da construção do bom gosto ou belo moderno, que usam do exagero, da abstração e dos processos não-ortodoxos como estratégias da comunicação visual, ganhando visibilidade pela oposição. 

Cartazes — nada convencionais — de Braulio Amado.

A alternância do belo na política
Se olharmos para política brasileira e seu cenário visual, poderemos encontrar dinâmicas muito parecidas, discutidas nos últimos anos pelo termo outsider, ou pelas diversas construções dessa persona. Para entender essa dinâmica, é preciso olhar para os anseios de uma nação refletidos no Brasil de 1989.

Santinhos, Eleições 1998

Desde a redemocratização, o Brasil teve a ascensão, queda e transformação de um perfil de representante político. Praticamente todos os candidatos à eleição presidencial de 1989 compartilharem do mesmo padrão estético — alguns mais outros menos — , todos se valiam de fotos carismáticas ou uma paleta nacionalista ou um discurso sobre "avanço" ou "mudança" — até aí nada de novo. 
Porém, dentre eles, um em especial foge à curva estética; a barba camarada, os trajes simples, a linguagem popular, o discurso caloroso e incisivo no combate à corrupção e as peças gráficas onde se destacavam a cor vermelha e a grande estrela no lettering que o acompanhou até 2002, eram demais para o país naquele momento. A nação não estava pronta para ter um candidato transvestido de operário, que desafiasse a estética dominante da época — lembram da tal figura outsider? Então, aqui não deu tão certo.

Lula em 1989

Os anos seguintes foram marcados pelas mudanças de percepção da linguagem visual ao qual se confia a um presidente. Se foi o Collor o rosto de um novo governo eleito democraticamente que levaria o país para frente, foi também o rosto que frustrou esperanças de honestidade e estabilidade daquele período em diante. Nesse tempo, Lula era "lapidado" para se tornar palatável à parcela necessária da população que ainda não enxergava nele seu candidato. 

Lula em 2002

Em 2002, Lula alcança o contexto político-social perfeito para enquadrar sua nova linguagem visual e romper com o padrão estético estabelecido — ou quase. O candidato já havia construído uma forte base entre as camadas mais pobres de trabalhadores, e agora, ganhava novos olhares abastados aos seus novos trajes e às peças gráficas polidas com uso predominante do verde e amarelo (sem abrir mão do vermelho). Lula agora se posicionava mais a favor do retomada de crescimento econômico e o combate às injustiças sociais. Eleito, seu governo foi marcado por grandes escândalos de corrupção e o restante, é uma história ainda muito recente. 

A essa altura, já deu para entender como as dinâmicas de rompimento do belo e da construção da figura do outsider funcionam. Porém, é em 2018 que linha entre essas duas dinâmicas visuais se trona mais tênue. Falamos é claro, do fenômeno Bolsonaro. Assim como Lula em 2002, sua construção não foi do dia pra noite. O que começou como uma piada coletiva, se tornou uma massa de seguidores fiéis, que se expressam e comunicam de uma maneira específica, intensificada pela velocidade de novas mídias e profusão de (todo tipo de) informações, inclusive ridiculamente falsas

Bolsonaro, 2018

Visualmente, essa velha-nova estratégia se vale do aparente amadorismo, de uma estética pouco polida, do tal "feio" para se aproximar de um eleitorado cansado do frustrante padrão político visual, que anseia por algo novo que supra a velha necessidade de estabilidade. Paradoxalmente, é através do completo desequilíbrio gráfico e uso de símbolos e ícones muito claros em nossa repertório visual que se expõe o extremismo aparentemente necessário para governança. 
O que talvez há de realmente novo aqui, seja a aniquilação de todo e qualquer vestígio da antiga estética dominante, seja retirando as cadeiras vermelhas do planalto ou alterando livros de história, como forma de estabelecer um novo regime estético — e político.

Em suma…
O design pode por vezes ser enxergado como fútil ou superficial, porém, uma decisão de design nunca é puramente estética. Esta pequena análise em nossa memória gráfica tem como objetivo entender quais mensagens e histórias foram transmitidas de forma não explícitas, como elas nos afetam hoje e como as transformamos, ciclicamente, em novas estratégias de comunicação, usando até mesmo com o "feio" como uma decisão de design. 
* * *

Nota à subjetividade: Essa análise se propõe a entender as faculdades de uso de um padrão estético estabelecido em um determinado tempo e lugar, bem como seus aparentes objetivos e dinâmicas sociais. Ou seja, é menos sobre achismos sobre o que é (ou não) bom/bonito e mais sobre o uso (ou não) de uma estética estabelecida. Todavia, a subjetividade de todos os atores dessa conversa — inclusive os que leem essa análise — deve ser levada em conta e ponderada ;)
🗳️👨🏾‍💼✨

You may also like

Back to Top